segunda-feira, 30 de julho de 2007

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É com um profundo sentimento de confissão que me encontro sempre que actualizo de um modo mais ou menos inteligível este blog. O teorema da escrita pode depender do tempo de inspiração ou de outro força divina; agora o teorema da partilha obriga naturalmente a uma maturação do que realmente pode e deve ser dito.

por estes dias descanso profundamente com ar de dever cumprido, alguém me dizia: finalmente de férias... sinto já o pequeno burburinho de preocupações de duvidas e pequenos abalos que se avizinham, crescemos muitas vezes sem notar e de repente sem ninguém nos avisar as nossas prioridades deixam de ser as birras e os pequenos desejos de miúdo, somos lançados demasiado rápido ao rio como peixe que ainda não sabe nadar. ninguém nos ensina o ofício de viver nem de viver como prenúncio de morrer, não nos dão ferramentas apenas um coração e umas asas pequenas para voar.










o meu pai anda atarefado com a casa nova; a ana diz-me que me ama; fui à Póvoa, e nem cheiro a maresia ou a beleza das pessoas que vivem do mar e para o mar se perdeu; adormeci na praia e apanhei um escaldão a senhora minha mãe diz-me que não pôs protector, nem ela nem eu percebemos que somos pequenos caminhos de pedras banhados por uma outra luz.

domingo, 8 de julho de 2007

geometrias

descobrimos por vezes membros espalhados por dentro de nós,
alguns são nossos como espaços pequenos onde mais ninguém pode chegar,
espaços por dentro das garagens e das estantes,
do alabastro ou do granito.
outros são sinais para caminhos distantes de peregrinos
que erram para dentro de nós; ou são metas demasiado profundas
para escavarmos ou a dor inerente a eles, está ainda incrustada para lá do nosso corpo

ninguém me disse que o barulho do meu peito vem do coração
nem lhe pus as mãos, os olhos ou a boca para saber a sua forma
para saber que rumos havia a dentro da minha pele
temo pelo ruído que parece do meu corpo, pelo grito demasiado distante para lhe perceber a dor ou o jubilo.

ninguém me disse, ainda, que por vezes
estamos demasiado perto de outros corações ou que escavamos
demasiado fundo no corpo de alguém,
temo. tenho medo de acabar com a mão no meu coração perdido
no espaço preciso entre quem me escuta ou quem me toca

fidelidades

sinto falta de compromissos,
das duas uma, ou os exames eclipsaram tudo o resto, ou eclipsei tudo o resto por causa dos exames....

«Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto atrás de uma cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido ao aparecimento do novo peixe.
O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro, onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava. Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor – sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro através do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente que assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas, como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.
Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou o peixe amarelo.»

Herberto Helder

domingo, 1 de julho de 2007




gostava muito de viver num mundo onde todos acreditassem que é possivel ter asas para voar.